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Pesquisadora indígena conta histórias e experiências sobre a relação da academia com os povos

Rosi Waikhon levou ao público imagens, narrativas e experiências pessoais de como a academia interage com os povos indígenas na troca de conhecimentos

Durante a conferência “Pesquisadores indígenas, conhecimentos e direitos”, que aconteceu na Tenda Indígena na manhã de ontem (17/7), Rosi Waikhon – descendente do povo Piratapuia, do Amazonas – contou várias histórias com base em sua própria experiência de ser uma pesquisadora indígena.

“Eu queria fazer pesquisa com a minha família. Mas eu tinha de pedir autorização para a Funai. Como existem essas burocracias na academia, eu tive de fazer isso. O tema da minha pesquisa era sobre os cuidados da criança. E havia muitas coisas que meus pais falavam mas que eu não podia divulgar na minha pesquisa pois não tinha autorização para colocar certas informações. Por exemplo, sobre a leitura do cordão umbilical. Eu fiquei confusa por causa da academia. Vivemos dois mundos”, contou Rosi.

“Se as madeiras, as plantas, os animais não forem levados para serem estudados nos laboratórios ou algum centro acadêmico, esse conhecimento não é considerado, não tem valor, não tem reconhecimento. É uma questão complicada”, afirmou a pesquisadora, que estranhou quando viu uma exposição com os objetos de sua cultura. “Me senti como algo do passado, como se tivéssemos morrido. Mas eu não podia falar nada para não ser reprovada na universidade”, contou Rosi.

A apresentação da pesquisadora indígena contou com diversas fotografias de objetos, casas, arte e situações que ilustravam suas narrativas. Uma delas mostrava o material usado para ensinar o abecedário às crianças indígenas de seu povo e contava com figuras e palavras incluindo hóstia, igreja, bolo e jabuticaba. “Por exemplo, eu só fui conhecer o que era jabuticaba bem mais tarde, pois não é uma fruta da minha região”, exemplificou. “Vejo pessoas que passam pela universidade e que, agora, ensinam na comunidade. Mas são contextos diferentes. Temos de pensar em trabalhar o conhecimento, sem deixar de conhecer o outro, mas aproveitando o que há no entorno”, defendeu Rosi, que citou trabalhos e projetos que já são desenvolvidos nessa área.

Ela também abordou os diferentes olhares que se pode ter sobre uma mesma realidade. Ao mostrar uma foto de uma índia mais velha na roça, ela relatou: “Há pessoas que vêm e dizem: 'Coitada, que triste, ela tem de ir para a roça'. Mas os mais velhos não gostam de ficar parados, gostam de se movimentar, remar com sua canoa, ir para a roça. Ficar parado é uma violência”, descreveu a conferencista, chamando a atenção para as diferenças na interpretação que existe entre os indígenas e não indígenas.

Troca de saberes

Apesar das dificuldades na relação entre a universidade e os povos indígenas na produção do conhecimento, Rosi destacou as contribuições dos etnólogos, em especial para o patrimônio material e imaterial e na demarcação de terras. “Falo mais sobre os antropólogos porque são os pesquisadores que estão mais entre nós, com quem temos mais diálogo do que com outras áreas”, disse.

Para ela, é importante pensar na interlocução e na troca de saberes. “O conhecimento pode ser usado para duas coisas: para o bem e para o mal. Eu abro a minha casa e você sabe o que fazer com aquilo que você vai buscar. Não posso pensar apenas em mim e na minha família. Temos de pensar em como ajudar os outros, como compartilhar com os outros e ajudar a coletividade”, afirmou. “A ideia de riqueza para muitos é a de ter uma casa grande para morar três ou quatro pessoas, um avião, um prédio... Eu pergunto se tenho saúde, se tenho o que comer, se tenho um lugar para plantar e colher, se posso conversar com as pessoas”, concluiu Rosi.

 

Texto: Denise Britto (Comissão de Comunicação da Reunião Anual / FAI-UFSCar)

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